18 julho 2007

Saramago.

Pessoalmente, e como escritor, não sou grande apreciador de Saramago. Isto não releva no entanto o facto de me orgulhar (como português) da distinção que lhe foi ofertada pela academia sueca. A sua escrita provoca-me um leve torpor, ou sonolência na verdade, dada a densidade dos parágrafos. Possivelmente falha minha, assumo. Na minha juventude li e reli várias vezes o “Memorial do Convento”, que me agradou sobremaneira. Mais tarde ainda li um ou outro título que já não me encantaram do mesmo. Aquilo maça-me, provoca-me uma sensação de estranheza, de tão elaborado que é. Enfim, será limitação da minha pessoa, ou gosto pessoal. Na verdade e alargando o contexto à escrita portuguesa, acho que se escreve pouco e mal. E do que tenho lido sempre preferi os mortos aos vivos. Gosto de Torga, Aquilino, algum Eça e pouco mais.

A razão que leva a escrever esta “nota” não é tanto pela qualidade literária de Saramago mas sim pela sua pessoa e pelas suas declarações recentes, que tanto pasmo provocou. Com franqueza eu gosto de Saramago como pessoa. Acho-o um indivíduo recto, com princípios e coerente nas suas atitudes. Não gosto das suas ideias politicas, mas respeito a sua dignidade e verticalidade. As suas recentes declarações, que tanta indignação e agitação provocaram, puseram-me a pensar sobre o tema, e levaram-me a questionar a mim próprio sobre a exactidão (ou não das mesmas).

Saramago defende uma integração de Portugal na Espanha, ou melhor uma fusão que originaria um novo país de designação Ibéria, contudo sem perda de identidade, mantendo este cantinho um estatuto semelhante ao actualmente detido pela Catalunha ou País Basco. Intuitivamente a resposta da maioria de nós a uma proposta desta natureza será a negativa. Visceralmente custa-nos a abrir mão daquilo que tantos, antes de nós, lutaram para conseguir, sendo este ponto perfeitamente defensável. Contudo se analisarmos friamente verificamos que boa parte de nós invejamos aquilo que os vizinhos conseguiram obter, e nós não!

É conhecido o relato do general romano que por aqui andava aquando da expansão do império sobre a têmpera do povo lusitano, que se encontra dispersa em alguns livros de história: “o povo que não se governa nem quer ser governado”. A nossa sina já vem de longe. A nossa inveja crónica sobre outros países mais evoluídos, nórdicos, alemães e afins, leva-nos sempre a um embotamento do essencial: estamos dispostos a ter os privilégios dos ricos mas não a aguentar os sacrifícios correspondentes para os obter.

O mesmo se passa com os espanhóis; invejamos a sua pujança e não entendemos o seu porquê: como é possível que um gentio que teve um Franco, uma Guerra Civil, Terrorismo, uma Santa Inquisição, uma Igreja intolerante, que mantém uma Monarquia, que tem províncias com desejos separatistas consiga obter aquilo que nós não conseguimos? A resposta é simples: porque são melhores! São mais organizados, mais eficientes, mais trabalhadores, mais responsáveis, etc.

No mundo das empresas aplica-se o mesmo principio enunciado por Darwin há muitos anos atrás para os bichos, plantas e afins: a teoria da selecção natural, ou seja a sobrevivência dos mais aptos face aos inaptos. Apesar de não perdermos, pelo menos em termos teóricos, a nossa soberania o que se verificou na última vintena de anos, após integração na União Europeia? Fomos literalmente engolidos por essa máquina esmagadora que é a economia dos países desenvolvidos, pois não estávamos preparados para o embate. Em particular verificámos que o que valia a pena (por cá existente) foi comprado, principalmente por espanhóis, e também por outros. O resto evaporou-se, permanecendo apenas nas brumas da memória. Quem domina a banca? E os seguros? E o mercado da energia? E a actividade industrial remanescente? Simples não é?

Não atirem pedras ao Saramago. Saramago apenas disse aquilo que vai (secretamente) na alma de cada um nós, mas que temos dificuldades em admitir. Têm ido a Espanha ultimamente? Por razões profissionais desde há muito tempo que me desloco lá várias vezes por ano. Pelas mesmas razões tenho contactos frequentes com empresas de lá. Quem tem acompanhado a sua evolução percebe que hoje a distância que nos separa, é a mesma que medeia a nossa situação da Roménia ou da Bulgária.